Câmara abre discussão sobre dilemas fundiários do Bairro São Miguel da Conquista
Durante a sessão ordinária de quarta-feira, 30 de outubro, a Mesa Diretora da Câmara abriu espaço para ampla discussão sobre os dilemas dos moradores do Bairro São Miguel da Conquista, uma ocupação urbana de 18 anos de existência e que já está plenamente consolidada e com vários serviços públicos implantados.
Tiveram espaço de fala o defensor público José Erickson Rodrigues; o promotor de Justiça José Alberto Crisi, da 6ª Promotoria de Justiça de Marabá; o superintendente da SDU (Superintendência de Desenvolvimento Urbano), Mancipor Oliveira Lopes; José de Arimateia Pereira da Silva, presidente da Associação de Moradores do São Miguel da Conquista, além de cerca de 500 moradores daquela comunidade.
A sessão foi conduzida pelo presidente da Câmara, vereador Alecio Stringari, o qual passou a palavra, inicialmente, a José de Arimateia, que foi à tribuna da Câmara para pedir socorro às autoridades para o problema fundiário de seu bairro, onde moram milhares de famílias. “O nosso é um da vez, mas espero que sejam resolvidos problemas de todos os bairros de ocupação para que não passem pela pressão por desocupação”, disse ele.
Ele informou os vereadores que dezenas de famílias receberam intimação para desocupar suas casas ou teriam de pagar multa diária. Fizemos uma mobilização pacífica. A população do São Miguel tem defendido seus direitos, as pessoas até concordam em pagar, mas por um valor justo, porque os valores apresentados nós somos contra”, sintetizou, pedindo que daqui para frente o São Miguel da Conquista seja assistido com carinho pelas autoridades locais.
O defensor público José Erickson, usou a tribuna e reconheceu que há muitas pessoas sofrendo com as pressões que estão recebendo no Bairro São Miguel da Conquista, onde há muitas famílias vulneráveis. “Vim apresentar uma fala de tranquilização, porque há pessoas que estão ficando adoecidas. Não estou prometendo fazer o que não temos condições, mas o que estamos fazendo em outros locais”, disse.
Pediu que não se refiram aos moradores do bairro como invasões, mas como ocupantes. “Deve-se mudar o tom, não são invasões, mas ocupações informais consolidadas. Não é correto chamar as pessoas de invasoras, mas moradores. Ainda há pessoas que não sentem a mesma dor e acusam as outras de serem criminosas, mas não o são, são ocupantes. É preciso uma mudança de perspectiva. Só porque o outro lado tem um título definitivo e sentença judicial em mãos, não significa que está certo”, ponderou.
No caso de dezenas de famílias do São Félix, disse que fez defesas individuais, mas junto ao Iterpa foi observado que a área é federal. “Houve muito barulho, tensão, por causa de uma titulação que não é correta. Diante de casos de grilagem, qualquer um pode ter sua propriedade questionada. O que a gente avalia é quem está cumprindo a função social, fazendo com que o imóvel seja produtivo. Por isso, a mudança da perspectiva, e devemos olhar de forma diferente para essa população”, apontou.
Segundo ele, o morador, em razão do tempo, tem direito por usucapião. Além disso, alegou que se trata de ocupação consolidade e há uma lei federal que argumenta que uma área como o São Miguel da Conquista precisa passar por um processo de regularização urbana, tendo a Defensoria como representante.
Sobre a suposta cobrança exorbitante por alguns terrenos, disse que a lei não compactua com enriquecimento ilícito e revelou que a justiça determinou a suspensão dos processos do caso do São Félix até que todas as teses sejam analisadas pela Defensoria Pública. “Nossa preocupação, aqui, é ir para o ataque, não apenas ficar na defesa. No caso de vocês, é importante regularizar os imóveis”.
Segundo ele, a Defensoria Pública pode pedir regularização de forma global, num processo que abranja a todos. “O caminho que estamos propondo é cumprir o que está na lei. Precisamos de apoio das demais instituições, e precisamos tirar do papel nosso termo de cooperação com a Câmara de Marabá para atender milhares de pessoas que estão na mesma situação. Acreditamos que o REURB (Regularização Fundiária Urbana) é a melhor ferramenta para legalização dessa e de outras áreas em Marabá”, disse José Ericson.
O entendimento da Defensoria, segundo ele, é que se cada morador tem direito à propriedade por usucapião. “Qual o sentido de ter de pagar alguma coisa para alguém. Nem muito, nem pouco. Não cabe tentativa de negociar para pagar. Falamos sobre isso no São Félix e depois descobrimos que a área é federal. Iriam pagar para um proprietário que sequer é proprietário”, argumentou.
O promotor José Alberto Grisi Dantas disse que o MPPA traz o primeiro toque de sua atuação: direito constitucional à moradia. “Estamos diante de pessoas de boa fé. Quem tem condição, quer pagar, mas quem está presente aqui, está de boa fé. Há uma vida investida naqueles imóveis”, reconheceu.
Disse que o MPPA, junto com a Defensoria, oferece a empatia à população e observou que cada realidade precisa ser analisada dentro de sua especificidade. Reconheceu que o trabalho dos legisladores é importante para ajudar a resolver o problema das ocupações urbanas.
“Não vamos estimular ocupações, mas precisamos aprender com o histórico de ocupação e urbanização do município de Marabá. Precisamos encarar a política urbana como essa Casa de Leis encara tantos outros temas”.
Por fim, disse que é preciso congregar forças para que a pulverização de execuções e processos não realimente o pânico que se instalou recentemente entre os moradores do São Miguel da Conquista.
Os vereadores presentes se solidarizaram com o caso, que já vinham discutindo desde a semana anterior. Eles usaram a tribuna e destacaram o empenho dos moradores em lutar por seus direitos e disseram que a Câmara e seus gabinetes estão abertos para buscar o diálogo, assim como fortalecer a parceria com a Defensoria Pública para ajudar a dar celeridade nos atendimentos aos moradores do São Miguel da Conquista.
Por sua vez, Mancipor Lopes discordou em alguns pontos do defensor José Ericson, não em relação ao direito à moradia e nem à manifestação dos moradores, que ele considera justa e “uma forma de sair da invisibilidade e passarem a ser vistos”.
Ele disse estar certo de que a área do São Félix que não está em litígio está em nome da União. Informou que, em função das obras da segunda ponte sobre o Rio Tocantins, o município firmou convênio com a Vale para uso de uma área na cabeceira da ponte, mas o Incra, em tempo recorde, emitiu título para um proprietário no final do ano passado.
Identificou que no final da década de 1960 e 1970, a União doou parcela de área ao governo do Estado para este implantar o bairro São Félix. A área referente possui 3.600 hectares e está em nome do município de Marabá e não da União. “Daí o equívoco no posicionamento do Ericson. Nossa ação foi julgada procedente, a Justiça federal reconheceu que o documento não poderia ter sido expedido pelo Incra. Está em grau recursal, mas houve reconhecimento que a área pertence ao município de Marabá”, revela.
Mancipor pediu cautela das famílias do São Miguel da Conquista e disse que não se pode afirmar que seu Aurélio Anastácio grilou as terras que possuía, tendo possivelmente adquirido área a partir de uma nova divisão das terras do Quindangues.
“Acho que Dr. Ericson colocou algo temerário sobre grilagem de terras. Há histórico de grilagem em nossa região, mas afirmar que os títulos de propriedade, títulos definitivos hoje, podem ter ilegalidade, não é possível. Não posso concordar com o posicionamento dele. Temos títulos irregulares, temos, mas não posso afirmar que todos são irregulares”.
Ele apresentou a cronologia da criação do Loteamento Itacaiunas, com projeto aprovado pela Câmara em 1979. Parte dessa área, foi sofrendo ocupação irregular, sendo que em 2011 houve acordo extra-judicial com moradores, SDU, MPPA, Associação de Moradores e a família do seu Aurélio, com acordo entre as partes, em 2011, com base em estudo socioeconômico da SDU. “Hoje, esse acordo está sendo cumprido. Atualmente, temos 29 ocupações consolidadas em Marabá. O município não pode desapropriar o São Miguel da Conquista, porque não tem orçamento para fazer o mesmo com as outras 28 áreas. Temos de ser honesto com cada um de vocês”.
Para uma Regularização Fundiária Urbana (REURB) ser implementada, como sugeriu o defensor pública, o município precisaria implementar toda infraestrutura básica, que é muito cara, com iluminação, pavimentação com drenagem, meio fio e sarjeta e entregar um cronograma de obras, com esgoto tratado e água potável, o que na prática é complexo.