Câmara Municipal reage à manifestação de diretor da Vale

por claudio — publicado 12/03/2013 15h58, última modificação 14/04/2016 09h05
Diretor da mineradora enviou carta à Vanda Américo e todos os vereadores foram solidários a colega

Na abertura da Sessão Ordinária desta terça-feira, 12, a vereadora Vanda Américo (PSD) ocupou a tribuna da Câmara Municipal de Marabá para ler uma carta endereçada a ela pelo diretor de Operações de Logística da Vale, Luiz Fernando Landeiro Júnior, na qual alertou a vereadora sobre a possibilidade de que a “empresa adotará os meios legais para impedir qualquer prática ilícita de invasão da Estrada de Ferro Carajás, assim como para cobrar todos os prejuízos que advierem aos serviços, para a empresa e seus clientes a partir daí, nos exatos termos da lei”.

Luiz Fernando Landeiro demonstrava, através da carta, preocupação com um pronunciamento feito por Vanda Américo no dia 27 de fevereiro, em que ela falou sobre a necessidade de mobilizar a comunidade marabaense para cobrar do governo federal e da Vale a viabilização da hidrovia Araguaia Tocantins para garantir o desenvolvimento regional. “Vamos mobilizar a comunidade e, a partir de 21 de maio, definirmos uma data de ocupação da ferrovia”, disse Vanda, cujo discurso foi publicado no Jornal Correio do Tocantins no dia 28 de fevereiro.

Indignada, Vanda Américo rebateu a carta enviada pelo diretor da Vale, dizendo que aquela era uma tentativa de intimidação pessoal, mas que atingia todo o Legislativo marabaense. Ela disse que não iria se calar e rebateu de forma firme, avisando que a referida carta serviria de combustível para fortalecer sua luta pelos direitos da comunidade marabaense. Vanda pediu a realização de uma audiência pública por parte da Câmara para discutir com os movimentos sociais os problemas que afligem o município e cobrar ainda mais da Vale a solução para eles, em função dos impactos sociais dos projetos que estão sendo implantados em Marabá. “Se for na base da ameaça, vamos usar nossa força. Se a Vale não vier sentar conosco e discutir as problemáticas e uma forma de resolver nossos problemas sociais, vamos sentar na rodovia e protestar mesmo”, disse.

Em outro trecho da carta da Vale assinada por Luiz Fernando, diz que o “Estado de Direito impõe a todos os cidadãos o respeito à lei, e os mandatários políticos (na democracia: os eleitos) também são submissos ás leis promulgadas. Assim, as declarações como as prestadas por vossa senhoria só trazem instabilidade e incitam o cometimento de crimes”.

Em outro trecho, o diretor alega que a empresa tem buscado o diálogo constante com todos os representantes do município, não tendo qualquer problema em dialogar. “Inclusive, recentemente estivemos tratando sobre a Aços Laminados do Pará, evento do qual vossa senhoria participou”. Sobre essa referência, Vanda minimizou o resultado da referida reunião, dizendo que não houve avançou algum e que a Vale se negou até mesmo em repassar para o município a área onde construiu, em parte, a Estação Conhecimento de Marabá (ela nunca funcionou) para ser transformada em escola de tempo integral.

 

Reação em cadeia

A carta do diretor da Vale causou indignação imediata em todos os vereadores, que saíram em defesa da colega. Pela primeira vez nesta legislatura, todos os edis pediram um a parte na fala de um vereador. O primeiro a usar da palavra foi Miguel Gomes Filho, o Miguelito (PP). Ele considerou um absurdo e repudiou a carta enviada pelo diretor da Vale e lembrou que a Vanda já enfrentou guerras maiores contra a mineradora. Miguelito propôs que o Legislativo reagisse e se posicionasse oficialmente através de um documento à diretoria da Vale. “Temos a obrigação de nos manifestar enquanto Câmara. Este senhor está tentando nos imputar o medo, lembrando os porões da ditadura”, retrucou.

Júlia Rosa (PDT), presidente da Câmara, reconheceu a necessidade de uma reação imediata do Legislativo e observou que os interesses da Vale são econômicos, sem respeitar o desenvolvimento social. “Vamos marcar a audiência pública sugerida pela vereadora Vanda, porque não podemos aceitar uma afronta que é contra todo o município de Marabá”, advertiu.

O vereador Beto Miranda (PSDB) disse que a atitude da Vale através da carta enviada à colega Vanda Américo não é surpresa e se mostrou contrário a todo e qualquer incentivo fiscal à mineradora por parte do município e Estado.

O vereador Pedro Correa Lima (PTB), ao se solidarizar com Vanda, lembrou que do ônus social da Vale com a implantação dos projetos Salobo e Alpa, tendo prometido milhares de empregos que nunca foram cumpridos. Essa carta é uma forma de nos intimidar. “Precisamos rever as condicionantes da Alpa, porque não havia ali um indicativo de que a siderúrgica só sairia se houvesse o derrocamento do canal do Lourenção”, alfinetou.

Para Pedro Correa, a Vale é quem deveria ser responsabilizada judicialmente pelas diversas invasões de áreas urbanas em Marabá, como consequência da propaganda que a própria mineradora fez de que a cidade iria ter muitos empregos.

Por sua vez, o vereador Gilson Silva, o Gilsim (PP), reconheceu a gravidade da carta, mas destacou que o calcanhar de Aquiles da Vale é o trilho. “Fechar a ferrovia é a única maneira de a empresa nos ouvir de verdade e atender as demandas sociais que crescem a cada dia em Marabá”.

Acostumado a negociar com a Vale por sua comunidade indígena na base do fechamento da ferrovia, o vereador Ubirajara Sompré (PPS) lembrou que é preciso ampliar as discussões com a mineradora, que está duplicando a Estrada de Ferro Carajás para retirar minério dobrado desta região, mas sem nenhuma condicionante negociada com a sociedade local. “Lá na aldeia nós temos o plano A e o B, mas faz algum tempo que não utilizamos o B porque a Vale tem percebido que se não ceder no A, a gente fecha a ferrovia mesmo”, explicou Sompré.

Também indignado com a postura da Vale, o vereador Guido Mutran (PMDB) disse que o documento enviado à vereadora Vanda Américo não representa, necessariamente, o posicionamento do diretor Luiz Fernando, mas sim da própria Vale, que tenta acuar o povo de Marabá. “Vamos nos fortalecer ainda mais com esse documento, mobilizando outros municípios da região para enfrentar a Vale”, sugeriu Guido.

Alécio Stringari (PR) foi outro que disparou a metralhadora verbal contra a Vale. Segundo ele, a comunidade marabaense tem de conviver permanentemente com as migalhas que caem dos trens da Vale, comparando os poucos investimentos da empresa em Marabá como “mel na chupeta” para criança parar de chorar.

O vereador Antônio Araújo (PR) destacou que a Vale só entende a linguagem da pressão e é dessa forma que a comunidade de Marabá tem de agir sempre, porque os problemas sociais, como a violência, se avolumam e a empresa só colabora com uma parcela muito pequena.

Ao final da sessão, ficou definido que um documento será enviado à Vale repudiando a tentativa de intimidação da empresa, além de agendada uma audiência pública para repassar e debater junto à comunidade o tratamento da empresa com as demandas do municipio. Em gesto de solidariedade à vereadora Vanda, todos os 21 vereadores posaram em uma foto com ela na tribuna da Câmara, ao final de seu discurso.