Neto de Carlos Leitão visita a Câmara e revela segredos históricos da família

por claudio — publicado 22/11/2013 18h47, última modificação 14/04/2016 09h08
José Leitão, de 85 anos, vive hoje em Roraima e voltou com o filho para rever a cidade onde nasceu em 1928

 

Quem diria que um dia fôssemos ter informações testemunhais e familiares de um dos personagens mais emblemáticos do início da história de Marabá. Eis que esta semana surgiu na Câmara Municipal José Dulse Ayres Leitão, 85 anos, neto de Carlos Leitão, o Senhor do Burgo, uma das primeiras comunidades que deram origem a este município. Ele teve espaço concedido pela presidente Júlia Rosa e narrou alguns causos de sua família e de como foi parar em Roraima em plena Segunda Guerra Mundial.

Filho de Manuel Ayres Leitão e Antonia Gomes Leitão, José Dulse Ayres Leitão contou um pouco da história de como o antepassado chegou aqui e também como ele, José, deixou essa terra para desbravar os garimpos de diamante em Boa Vista, no Estado de Roraima.

Nascido em 30 de julho de 1928, José Leitão guarda as lembranças do que ouviu a respeito do avô, que veio de Boa Vista de Goiás (hoje Tocantinópolis), logo após o movimento denominado Revolta de Boa Vista. Por causa de brigas entre famílias por terras, muitas pessoas morreram e o avô de José, Carlos Leitão, veio com tudo o que tinha para Marabá. “Dizem que ele começou a fazer uma casa lá no Burgo. Quando eu era menino, ia com meu pai lá. Tinha ainda restos de paredes e o cemitério dos seus antecedentes”, recorda.

José não sabe afirmar se o corpo do avô foi enterrado no mesmo local, mas ressalta que os diversos túmulos ali existentes eram feitos com azulejos “finíssimos”, como ele mesmo qualifica. “Ele se estabeleceu no Burgo e começou o desenvolvimento da borracha”, conta o neto. Registros históricos versam que Carlos Leitão foi sepultado no Burgo, após morrer supostamente por complicações causadas pela malária, em abril de 1903.

De posse das histórias do visitante, vários vereadores expuseram sua opinião e se mostraram surpresos com a aparição do personagem.

José Dulse ainda lembrou que conheceu vários dos parentes de alguns vereadores, conversou por um longo período com Guido Mutran e Júlia Rosa e fez votos de que a cidade continue a crescer. “Esperava que fosse encontrar a Marabá de quando fui embora, mas vi uma cidade diferente, grande e bonita, espero que continue dessa forma”, se lamentando ainda por não ter voltado há mais tempo, para encontrar alguns de seus amigos e conhecidos ainda vivos.

BOA VISTA

Enquanto o avô veio de “mala e cuia” para Marabá, José saiu daqui rumo à Boa Vista, atraído pelo brilho dos diamantes existentes naquela região. Foi no ano de 1944, quando tinha 16 anos, que ele decidiu trabalhar no garimpo. Antes dele, dois irmãos mais velhos haviam iniciado essa empreitada. Mais tarde, foi a vez de José, outro irmão e um primo se juntarem aos garimpeiros. Perguntado sobre a quantidade de diamante encontrado, ele responde laconicamente: “Peguei muito”. E afirma ter encontrado tanto em terras brasileiras quanto na Guiana Inglesa.

Nesse período, José narra que os pais dele continuaram morando em Marabá, num sítio próximo à Cachoeira do Pirucaba. Depois de partir, ele revela que não viu mais o pai, Manuel Leitão, que ele acredita que tenha morrido com câncer de próstata. “Naquele tempo não tinha tratamento”, lamenta.

O antigo garimpeiro lembra de um episódio compartilhado pela mãe, Antonia, a respeito do pai. “Ela me contou que ele estava sentado numa tarde, perto da canoa, na beira do rio, quando veio um motor de popa e encostou lá. E três homens, bem vestidos, perguntaram: ‘O senhor que é o Manuel Ayres Leitão?’. José continua relatando que o pai respondeu positivamente e reproduz a conversa travada entre eles: “Nós estamos aqui à sua procura, pois sabemos que o senhor tem todos os títulos das terras lá de vocês (em Boa Vista). Nós viemos comprá-las por qualquer preço”.

José recorda que o pai tinha dois baús de couro, com tachas de metal, contendo vários documentos. “Acho que meu avô deu para o meu pai guardar. Eram documentos de terras, milhões de hectares. Não sei a quantidade, mas eram muitas terras”, afirma.

Voltando ao episódio, José conta que o pai fez algo inesperado. “Ele foi lá em casa, abriu o baú dele, tirou o maço de documentos, todos amarrados, trouxe e entregou para eles [os três homens] e disse: ‘Pode levar, não lhe custa nada’”. Mais tarde, Manuel foi questionado pela esposa sobre o motivo de ter agido de tal forma. A resposta veio de pronto: “Porque eu não quero nenhum filho meu metido em questões de terra”, cita José, avaliando que seu genitor fez isso para resguardar a família de possíveis conflitos vividos por seu pai, Carlos Leitão.

José garante não ter ficado magoado por não ter as terras como herança, pois, de acordo com ele, nunca sentiu falta delas. Hoje, o velho garimpeiro ainda mora em Boa Vista-Roraima, é casado e tem cinco filhos: um advogado, um engenheiro civil, uma psicóloga, uma professora e uma acadêmica de Direito. Em visita a Marabá, José demonstra muita alegria com a oportunidade de rever a cidade. “Eu tinha muita vontade de voltar nesta terra onde nasci”, compartilha ele, que fica aqui até amanhã, domingo (24).

José veio acompanhado do filho Augusto, que é advogado e também ficou encantado com Marabá. Aqui, eles conheceram vários parentes e foram visitar a casa que abrigou a família nas primeiras décadas de 1900, na Marabá Pioneira. “Dividiram a nossa casa em duas e falei com o atual morador, contei para ele como era aquela rua e ele disse que eu estava enganado, que nunca tinha sido daquele jeito”, disse o octogenário, em meio a risos de incredulidade.